Neste post irei comentar sobre dois tópicos que julgo ser bastante importantes em relação às finanças pessoais: 1) as relações que as pessoas têm umas com as outras e 2) com os bens/serviços que consomem. Acredito que muito das características relacionadas aos hábitos de consumo da população possuem forte influência do tipo de relação que se estabelece entre pessoa/pessoa e pessoa/objeto.
Para ajudar nessa reflexão, gostaria de citar o filósofo Martin Buber (1878-1965), que em seu instigante livro Eu e Tu, faz uma intensa reflexão acerca da capacidade do ser humano em se relacionar, seja com seus semelhantes, seja com um objeto. Segundo o filósofo, “o EU se realiza na relação com o TU”, pois é “tornando EU que digo TU”. Em contraponto, Buber também aborda a relação do EU com o ISSO, dizendo que “o homem não pode viver sem o ISSO, mas aquele que vive somente com o ISSO não é homem”.
Precedendo qualquer interpretação, e até antes mesmo de iniciar a escrita deste artigo, fiz algumas leituras de especialistas na área da filosofia, sobre a obra de Buber. Existe uma gama de possibilidades de interpretações, porém, o que me interessa aqui é uma leitura bastante simplista das citações escolhidas. Portanto, emprestarei do autor a denominação EU-TU como representação da interação entre o ser humano e seu semelhante, sendo o EU-ISSO a notação usada para identificar a relação entre um indivíduo e seus bens de consumo (OBS: pelo que notei em minhas leituras, tal visão não seria totalmente equivocada, mas diminuiria bastante a complexidade das reflexões de Buber).
Primeiramente, focando na questão EU-TU, considero essa dimensão a mais importante em minha própria vida. Credito grande parte de minha construção, enquanto pessoa, como fruto das relações com as pessoas as quais tive contato, ao longo da vida. Prezo muito a troca de experiências e afeto. Minha família, meus amigos e os profissionais com quem convivi mais intensamente, são grandes influenciadores daquilo que sou. Todavia, apesar de sua importância, é preciso constatar que a relação EU-TU possui seus “perigos”. Da mesma forma que constrói, pode ser um dos principais motivos da alienação e derrocada financeira.
Em artigo recente, denominado Prazer não traz felicidade, apresentei alguns pensamentos da obra de Mihaly Csikszentmihalyi, em que tratei sobre a diferença entre deleite e prazer. Aplicando esses conceitos às relações humanas, Mihaly explica que “uma pessoa que constantemente se preocupa como os outros a percebem, que sente medo de criar uma má impressão, ou de fazer algo inapropriado, estará também condenada a ser permanentemente excluída do estado de deleite”. Acredito que muito dos hábitos de consumo (e dificuldades financeiras) está nessa necessidade que muitos parecem ter, de agradar aos outros. Manter o status, mesmo em época de vacas magras, talvez seja um grande exemplo disso.
Continuando a reflexão, em se tratando da interação EU-ISSO, é possível verificar, na prática, que algumas pessoas tornam-se dependentes em relação a certos bens/serviços que consomem. Não é difícil encontrar alguém dizendo “eu não consigo viver sem isso”. Também não são raros exemplos de indivíduos que cuidam de seus carros como “filhos”, destinando atenção (provavelmente) exagerada em algo que não o constrói enquanto pessoa. Você já parou para pensar no peso do nome dado ao programa do governo federal destinado à habitação: “Minha casa, minha vida”? Não é um exagero resumir toda a complexidade da vida de um ser humano em uma casa? Parece uma tentativa de fundir o EU com o ISSO. Considero tal denominação bastante inapropriada para um ente público.
Por fim, o objetivo do presente artigo foi o de oferecer uma reflexão sobre as relações que instauramos em nossas vidas, e como elas podem afetar as decisões de consumo. Em minha opinião creio que o mundo em que vivemos carece de maior foco em uma verdadeira e construtiva relação entre as pessoas. Uma alocação de recursos financeiros em atividades que viabilizem o crescimento pessoal e a relação com o outro, deve ser almejada. Por outro lado, apesar de não condenar aqueles que possuem alguma relação sentimental com o ISSO, argumento que não se pode chegar ao ponto de colocar tal relação à frente de questões mais importantes e de real valor. Digo isso porque os bens/serviços que consumimos têm sua relevância na vida cotidiana, mas não se justificam e não possuem valor algum por si só.
E você, o que acha?
Abraço e boa sorte em suas finanças e vida pessoal.