Educação financeira para universitários
Já faz alguns anos, alunos do sétimo semestre de Administração, da faculdade na qual leciono, têm tido a oportunidade de cursar uma disciplina exclusivamente voltada à Educação Financeira. Tal experiência vem se mostrando bastante rica não só para mim, que acabei publicando meu eBook “As 5 etapas do planejamento financeiro” por conta dessa oportunidade, como também para diversos alunos que transformaram sua maneira de pensar em relação ao dinheiro.
Nesse contexto, o objetivo do presente artigo é compartilhar com os leitores deste blog algumas constatações, que irão permitir interessantes reflexões sobre a importância do conhecimento financeiro na vida de jovens universitários. Obviamente, o que será apresentado não é passível de generalizações ou conclusões definitivas. Todavia, um estudo de caso bem sucedido como esse é sempre bem vindo para a construção de uma massa crítica, sobre a importância da educação financeira nas universidades. Para uma discussão mais ampla, o leitor pode consultar o Volume 3 de minha obra Tópicos Avançados em Educação Financeira.
Características do Curso de Educação Financeira
A cada ano que se passa, insiro novidades no programa da disciplina e retiro algumas atividades que não se mostraram bem sucedidas. Porém, a espinha dorsal é sempre a mesma, seguindo As 5 etapas do planejamento financeiro, as quais:
1) convencimento pessoal e definição de riqueza;
2) conhecimento financeiro, explicando a importância do balanço patrimonial e fluxo de caixa no sucesso ou o fracasso financeiro;
3) como definir objetivos utilizando matemática financeira, no Excel;
4) a importância da mudança de hábitos e como usar uma planilha de orçamento doméstico;
5) como investir dinheiro.
A didática de tal metodologia de ensino tem apresentado resultados bastante significativos, pois nas avaliações aplicadas (provas e trabalhos) os alunos demonstram uma excelente compreensão sobre o processo sugerido em 5 etapas. É importante salientar que isso não significa que todos mudaram seu hábitos financeiros efetivamente, pois tal afirmação exigiria um acompanhamento individual ao longo do tempo, algo bastante complicado de ser feito prática.
Mesmo com tal limitação de análise, nos próximos parágrafos irei apresentar algumas percepções sobre o modo de pensar desses jovens, baseando-me nas já citadas avaliações realizadas dentro do semestre letivo.
Objetivos relacionados às Finanças Pessoais
Meus alunos, de maneira geral, têm de 20 a 30 anos, e vão à faculdade no período noturno, após um dia inteiro de trabalho. Dentro dessa realidade, uma pergunta que sempre busco a resposta é: quais são seus principais objetivos financeiros? Veja a seguir as respostas mais comuns:
– compra de um apartamento ou casa, para moradia;
– investimento na continuação de seus estudos, em nível de pós-graduação;
– abertura de um negócio próprio – algo bastante comum entre alunos de curso de administração;
– guardar dinheiro para o casamento e construção de uma nova família, com filhos;
– separar recursos para aprender uma segunda língua, sendo a mais comum, a inglesa.
O que se pode notar é que seus sonhos são bastante razoáveis, considerando-se a fase da vida na qual se encontram. Porém, gostaria de destacar um deles: a aquisição de imóvel próprio. Como grande parte da população brasileira, é possível perceber que esse é um dos objetivos que mais preocupam esses alunos. Obviamente, devido ao valor a ser gasto não ser pequeno, a grande maioria se vê obrigada a lançar mão de financiamentos de longuíssimo prazo, iniciando uma extensa jornada de endividamento. Percebo que os riscos desse negócio não são avaliados a contento e creio que esse seja um ponto a ser melhorado em meu curso: a avaliação de riscos em financiamentos de longo prazo.
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Quais fatores impedem a realização dos objetivos?
Apesar de muitos sonhos em comum, esses alunos também possuem a mesma característica de encontrarem dificuldades em poupar dinheiro para tais conquistas. Nas avaliações aplicadas, muitos fatores aparecem como vilões da história. Veja os mais recorrentes:
– compras por impulso: alguns alunos citam ter se tornado um hábito fazer compras em shoppings centers, ou navegar pela internet em busca de itens para comprar.
– presentes caros para amigos e familiares: é incrível a capacidade de perceberem o quanto gastam com as famosas “lembrancinhas”. Isso acontece principalmente com o público feminino.
– alimentação fora de casa: como a maioria trabalha durante o dia e estuda a noite, as refeições são, em geral, feitas em restaurante, lanchonete ou padaria. Percebem que há excesso de gastos nesses itens, em diversas situações.
– uso incorreto do cartão de crédito: compras a prazo no cartão de crédito é quase que unanimidade, em relação às principais fontes de gasto. Muitos alunos, ao fazerem a própria planilha de fluxo de caixa, percebem que grande parte de sua receita vai para pagamentos de pequenas parcelas. Geralmente, são gastos supérfluos, ou como bem disse um dos alunos: “é o desejo de querer estar sempre na moda e de ter um pouco do que os outros têm”.
De forma resumida, sinto que um dos maiores sentimentos entre os alunos pode ser resumido no excerto abaixo, retirado de uma avaliação recente:
“Meu maior erro financeiro atualmente é arrumar pretextos para gastar. Muitas vezes compro um sapato que não preciso, mas digo: eu mereço, pois trabalhei tanto!”.
Esse um dilema bastante complicado na juventude, que implica em encontrar um adequado trade off entre o hoje e o futuro. Nos dias atuais isso é ainda mais complicado quando percebemos a cultura imediatista e consumista que está sendo construída.
Educação financeira e o ambiente familiar
Em minha última avaliação, perguntei aos alunos qual era a principal origem dos paradigmas financeiros (modelos) que eles usavam para tomar suas decisões de consumo e investimentos. Quase que a totalidade respondeu ser a família, a maior fonte de inspiração para seus hábitos financeiros atuais.
Uma questão interessante de ser destacada é a evidência de que muitos citam ter vindo de família humilde, crescendo em um ambiente de bastante restrição de consumo. Porém, com o passar do tempo, ao adquirirem uma situação financeira mais confortável no que diz respeito a salário, isso não veio acompanhado de uma formação de poupança. Na verdade, todo o consumo restringido no passado se transformou em fonte de inspiração para o gasto exacerbado no presente.
Para embasar essa minha análise, a seguir citarei alguns trechos retirados de uma prova em que perguntava a origem do modo que os fazem pensar e agir, em relação ao dinheiro.
“Desde a minha infância, meus princípios financeiros foram baseados na forma que meus pais administravam o dinheiro, ou até mesmo na forma que eles me induziam a administrar os ´trocadinhos´ que eu tinha. Nunca tive uma referência dentro de casa que me incentivasse a gastar menos e poupar mais. Os meus paradigmas foram sendo construídos ao longo de minha vida com a ideia de que se não for comprando o que quero e parcelando com valores baixinhos, nunca vou ter nada. Então, cresci com essa ideia, tanto que no meu primeiro salário, entrei em várias lojas e comprei muitas coisas parceladas. Assim, no meu primeiro mês de trabalho eu já possuía parcelas futuras de mais ou menos 10 meses. E para mim isso era normal, pois foi com esse tipo de pensamento que cresci (…). O pior era que muitas vezes eu percebia que o produto já tinha perdido a graça para mim, e eu ainda estava pagando”.
“Guardo dinheiro há alguns anos para não acontecer de falir igual a meu pai”.
“Meus pais, por exemplo, me influenciaram a não prestar faculdades públicas, pois em sua visão só quem estudava em escola particular é que conseguiria passar. E também que não poderia arriscar mudando de um trabalho que, apesar do baixo salário, me dava benefícios. Foi assim que fui ensinada e isso influenciou na forma como decidi sobre esses dois assuntos: nem prestei faculdade pública e também não saí do emprego”.
“quando vou ao supermercado até levo lista de compras, mas chegando lá, vou comprando além do necessário. Compro muita besteira, coisas que acho que vou precisar e que às vezes não uso. Ou apenas coisas que gosto de comer. Creio que faça isso para suprir algum tipo de carência, pois quando eu era pequena e ia fazer compra com meus pais ou avós, eles sempre eram controladores. Preciso aprender a lidar com esse sentimento, essa vontade de ter tudo, e focar mais nas minhas prioridades para poder alcançá-las”.
Como podemos notar, em minha pequena amostra, a família aparece como uma forte influência nas decisões financeiras dos alunos. Seja para o bem ou para o mal.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sendo esse espaço virtual, um blog, fica inadequado prolongar o texto com outras análises, igualmente interessantes. Mas creio ter sido possível demonstrar algumas das angústias de jovens de classe média, representados aqui por meus alunos de faculdade.
Por fim, gostaria de finalizar esse post com um exemplo do que me mantém acesa chama de continuar aprimorando esse curso de Educação Financeira. Veja o que um dos alunos escreveu, ao pedir opinião sobre a disciplina:
“Esse curso me ajudou muito em relação à minha maneira de pensar – meus paradigmas. Eu sempre soube o que queria, mas meus familiares sempre me fizeram desanimar. Depois desse curso, percebo que devo trilhar meu caminho e decidir o que quero. Sacrificar-me será necessário, mas quando há um objetivo traçado, os esforços ganham outra dimensão. E quando receber a recompensa por esse esforço, perceberei que valeu a pena”
De minha parte, só de ler essas palavras sinto que valeu a pena.
Boa sorte em suas finanças e vida pessoal!