Em meu artigo Como evitar conflitos familiares, focado em questões relacionadas ao orçamento doméstico, abordei o pensamento ganha-ganha, propondo utilizar as diferenças de opinião entre os membros da família como fator sinérgico, e não desagregador. Também frisei que ganha-ganha significa defender a visão da outra pessoa como se fosse a sua. Isso parece um tanto utópico de se aplicar na realidade, mas debruçarei-me sobre tal questão através de um exemplo prático, dada a relevância do tema.
Ganha-perde é sempre PERDE
Quando existe divergência de opinião sobre como utilizar o dinheiro da família, seja entre o casal, ou destes com os filhos, geralmente a resolução do problema reflete a opinião do “mais forte”. Em alguns casos, o marido ou esposa tem a palavra final, pois é de seu trabalho que a casa se sustenta. Noutras vezes os pais cedem a todos os apelos dos filhos, ficando reféns de seus caprichos.
A inviabilidade desse cenário ocorre porque um lado sempre sai perdendo, diminuindo a confiança na relação entre as partes. É preciso que na ocorrência de uma divergência financeira, a “parte mais forte” não sucumba ao desejo de fazer sua opinião prevalecer a qualquer custo. Isso porque todo o potencial de crescimento familiar, de sinergia, irá se esvair, criando um ambiente de disputas para ver quem se dará melhor. Traduzindo: em uma família que pensa ganha-ganha, um mais um dá bem mais que dois; já em uma ganha-perde, um mais um dá um número negativo.
Em busca da terceira alternativa
Pensemos no seguinte dilema: filhos querem ir à praia no final do ano, mas os pais acreditam que não é a hora de fazer um gasto desse vulto. Em um pensamento de disputa, há apenas duas alternativas: ou faz a viagem ou não faz. Pode ser que os pais digam “não vamos viajar e ponto final”, causando um desgaste na relação com os filhos. Como também pode acontecer de, após algumas chantagens emocionais, os filhos convencerem os pais, que irão fazer o passeio com uma imensa pulga atrás da orelha.
Vemos situações semelhantes à descrita todos os dias, seja no ambiente familiar, no trabalho, entre amigos etc. Talvez isso aconteça porque muitos de nós fomos educados dessa forma: “manda quem pode, obedece quem tem juízo”. O diálogo não é algo culturalmente valorizado e, mesmo quando ele ocorre, na maioria das vezes as partes envolvidas estão na defensiva. Tem-se um ponto de vista e briga-se até o fim para impor suas razões.
Nesse contexto, proponho a você leitor/leitora, fazer um exercício de, na próxima vez que houver alguma discordância sobre como alocar os recursos financeiros da família, buscar uma terceira alternativa. Nessa opção, nenhuma das partes deverá sair perdendo ou ceder aos caprichos da outra. Para tal, será necessário criatividade e generosidade, para ouvir e ser ouvido, de maneira empática. A seguir apresentarei com detalhes uma técnica sobre como proceder em uma divergência financeira, buscando o ganha-ganha.
Uso da empatia em duas etapas
O processo de encontrar uma terceira alternativa, sugerido nesse artigo, deverá ser implantado em duas etapas. Não importa se você é filho/filha ou um dos cônjuges, simplesmente siga os passos a seguir.
No primeiro passo é preciso reunir as partes envolvidas/interessadas na decisão financeira e dizer que você está disposto(a) a buscar uma solução que seja MELHOR do que qualquer ponto de vista inicial. Ao expor essa condição como prioridade, usando de toda sua sinceridade, será criado um ambiente propício às soluções ganha-ganha, à sinergia, à criatividade. No caso do exemplo anterior, entre filhos e pais, significa dizer que é preciso encontrar uma solução melhor do que apenas: viajar ou não viajar. É a terceira alternativa.
Esse primeiro passo é importante, mas não suficiente. Talvez os familiares fiquem desconfiados, pensando em se tratar de alguma artimanha de manipulação – lembre-se que todos estão acostumados ao ganha-perde, portanto, receosos e defendendo seus próprios interesses.
Mesmo com essa possível barreira, siga em frente, e vá para o segundo passo. Explique que deseja que o diálogo obedeça à seguinte regra: ninguém pode expressar seu ponto de vista antes de conseguir reproduzir exatamente a visão da primeira pessoa que falou.
Para ajudar na compreensão dessa condição, voltemos à família do exemplo. Suponhamos que a mãe se propôs a explicar o primeiro passo, firmando um pacto que a solução deverá ser melhor que apenas viajar ou não viajar. Em seguida, ela pergunta a um dos filhos, para que explique sua opinião. IMPORTANTE: todos devem apenas ouvir, de coração aberto, sem julgamento algum, buscando apenas entender o ponto de vista do outro – veja que entender não significa, necessariamente, concordar. Todos devem ouvir com empatia.
Dicionário Aurélio. Significado de empatia: tendência para sentir o que sentiria caso se estivesse na situação e circunstância experimentadas por outra pessoa |
Depois que o filho escolhido deu todas suas justificativas, por mais individualistas ou vazias que sejam, chega a hora dos demais verem se entenderam exatamente o que ele disse. Os familiares deverão explicar ao filho o que acabaram de ouvir de sua boca. O interessante é que provavelmente você irá se surpreender se, ao pensar que está reproduzindo fielmente o pensamento do filho, ele o interrompa e diga: “opa, não foi isso o que eu quis dizer”. Então o filho toma o direito para si de explicar novamente seu ponto de vista e, quando terminar, os familiares novamente tentarão explicar para ele seu próprio ponto de vista.
Saiba que muitas dos imbróglios familiares são causados por simples falha de comunicação. Como cada ser humano olha a vida por determinados paradigmas, a forma como entendemos as palavras do outro podem não ser exatamente aquilo que se quer transmitir. “Vemos o mundo como somos e não como ele é”. |
Pois bem, essa primeira rodada do segundo passo só deverá terminar quando o filho disser: “agora sim, é exatamente isso o que eu quero dizer”. Dessa forma, supera-se a primeira rodada, em todos acabaram por entender perfeitamente as razões que levam o filho a querer viajar. E o mais importante: tal afirmação deve ser feita por ele mesmo, e não pelo julgamento dos pais que dizem “eu conheço o meu filho”.
Dissipado esse ruído, passa-se a vez para outra pessoa da família, como por exemplo, o pai. Este explica suas razões para que não façam a viagem. O que provavelmente ocorrerá nesse momento é que os filhos, por terem percebido a empatia dos pais ao ouvir suas argumentações, também estarão mais dispostos a escutar.
Finalizada a explicação do pai, filhos e mãe tentarão reproduzir exatamente o que foi dito. Mais uma vez, o pai terá sua chance de tirar todo o mal entendido, que antes ficaram sem ouvidos para a correta compreensão – pois o clima era ganha-perde. E assim, seguirá a conversa, até que todos tenham o direito de falar, sem serem interrompidos, tendo como sequência a interpretação de suas justificativas, até que a própria pessoa tenha a certeza que todos entenderam seu ponto de vista (nem que alguém, lá no fundo, não concorde).
Considerações finais
Se você, caro leitor/leitora, fizer o teste de passar por essas duas etapas, na resolução de um conflito familiar, tendo relação com dinheiro ou não, verá que aumentará demasiadamente a chance de surgir uma terceira alternativa, muito melhor para a família do que as duas iniciais.
Isso porque quando uma pessoa se sente compreendida, ela adquire confiança, e estará mais disposta a escutar e também a contribuir, com uma solução criativa. Num ambiente ganha-ganha, como o próprio nome diz, todos serão beneficiados. No caso de o problema ainda persistir, que dificilmente será o caso, interrompe-se a conversa e diz-se: NADA FEITO, POIS SOMENTE UMA ALTERNATIVA GANHA-GANHA DEVERÁ SER ENCONTRADA.
Porém, a mensagem que gostaria de deixar é que tal experiência, independentemente de seu resultado, trará um clima de maior cooperação e confiança entre os familiares, para as próximas decisões. E esse legado se mostrará como o maior benefício para as relações daqueles que se amam.
Boa sorte em suas finanças e vida pessoal.
OBS: sendo esse um artigo complementar ao Como evitar conflitos familiares, também tem como fonte de inspiração primária o livro “O 8º hábito: da eficiência à grandeza”, de Stephen Covey.