Abaixo, apresento (na íntegra) e-mail enviado por um leitor do blog, acerca de sua dúvida quanto a financiar a construção de sua casa ou não. Leia.
“Tenho 8 anos de casado e AINDA sem filhos. O sonho material de minha esposa é construir uma casa. Temos um terreno quitado em um lugar privilegiado na cidade onde moramos. Compramos este terreno financiado pela Caixa, tendo ele sido quitado em 2 anos após um financiamento com prazo contratado de 15 anos. Isso certamente foi possível porque deixamos de gastar com outras coisas pra concentrarmos nossa renda em quitar a dívida.
Na cidade em que moramos a oferta de imóveis para aluguel é muito pequena e a casa atual não é boa. Trata-se de uma região muito fria e a casa é totalmente mal adaptada ao clima. Ou seja, nossa qualidade de vida em relação à moradia atual não é legal.
Tenho uma carteira de investimentos (ensinada pelo HC Investimentos) em formação. Tiro fielmente um valor mensal para esta carteira. Algo que não fazia quando estava pagando o financiamento do terreno. A CAIXA me ofereceu um financiamento de R$180.000,00 (valor da obra) a 0.8% a.m. Nossa vontade emocional em construir é muito grande, porém, esbarro nos argumentos técnicos que tenho aprendido atualmente. Minha esposa diz estar comigo em minha decisão final.
Sei que a taxa que conseguimos em investimentos não tem garantia alguma, porém, tenho conseguido uma rentabilidade bastante interessante nos últimos meses. Pensando desta forma, seria uma boa estratégia eu esperar acumular em minha carteira o valor total da construção ao invés de fazer o financiamento? Ou seja, nessa opção eu manteria meu patrimônio rendendo a uma taxa de juros interessante – o Gustavo Cerbasi cita esta estratégia de preservação de patrimônio no fim de seu último livro. O que você acha? Construo com financiamento ou guardo o dinheiro? Faço uma busca mais intensa de um outro imóvel para alugar? Já aviso: seria difícil encontrar.
Por fim, gostaria de te explicar que dentro dos nossos padrões de valores de vida, uma casa teria um significado além da questão patrimonial. Precisamos e gostamos muito de receber as pessoas em casa. Queremos servir aos outros com nossa casa. Em função disso tudo que coloquei está minha dúvida em considerar apenas questões técnicas e matemáticas. Por outro lado, também tenho aprendido que nossa mente nos engana a todo tempo com todo tipo de argumento. Dentro do seu ponto de vista, o que você acha? Um abraço.”
RESPOSTA DO PROF. ELISSON DE ANDRADE
Entre as diversas maneiras de compreender as finanças pessoais, uma que gosto muito é aquela que a define como “a arte de administrar riscos”. Trocando em miúdos, isso significa dizer que não possuímos total controle sobre os resultados advindos de nossas tomadas de decisão. Temos uma capacidade limitada de traçar os possíveis cenários futuros, sendo que cada um deles pode ocorrer com probabilidades que, na maioria das vezes, desconhecemos. Além dessas características, nem sempre uma boa decisão leva a um bom resultado. Para exemplificar essa última afirmação, suponha que eu lhe convide para uma aposta em que jogarei, apenas uma vez, um dado (com números de um a seis): se der número 1, você me paga R$10,00; todavia, se der os números 2, 3, 4, 5 ou 6, eu lhe pago os R$10,00.
Obviamente, uma boa decisão seria você aceitar o jogo, já que possui uma probabilidade de ganho de 5/6, enquanto eu tenho apenas uma chance em seis possíveis. Bem, imagine que você tomou a boa decisão de participar do jogo, mas o resultado do dado foi igual a 1. Esse é um exemplo simples de como uma boa decisão, às vezes, pode levar a resultados ruins. Todavia, se você participasse várias vezes desse jogo, na média, conseguiria êxito a maior parte das vezes, sendo que essa boa decisão estaria com risco baixo e probabilidade de retorno alto.
Pois bem, toda essa divagação sobre administração de riscos dos dois últimos parágrafos teve o intuito de demonstrar ao leitor que não se consegue total controle sobre os eventos futuros. Exemplos: ele poderá ter um filho logo ou não (talvez mais de um); pode perder o emprego ou começar a ganhar mais; ele poderá ganhar bastante dinheiro em sua aplicação ou perder; o valor para se construir uma casa pode ficar mais barato no futuro ou mais caro; podem receber uma herança, ganhar na loteria, ter um gasto alto inesperado, alguém doente na família que necessite de dinheiro de maneira urgente etc etc etc. Todos esses eventos incertos certamente irão impactar no sucesso ou fracasso da decisão a ser tomada hoje, sobre a construção ou não da casa.
Mas então, ficamos impotentes? Se não podemos controlar nada, significa que qualquer decisão é válida? A resposta é um grandioso e sonoro NÃO. O importante é que se avalie, da maneira mais acurada possível, cada um dos possíveis cenários, buscando avaliar quais variáveis são as mais importantes na tomada de decisão. Por exemplo: construir a casa trará mais conforto, melhorará a qualidade de vida do casal, enquanto permanecer na casa alugada pode chegar ao ponto de até atrapalhar o relacionamento a dois; por outro lado, o financiamento eliminará toda a reserva financeira da família, e a deixará exposta a um risco financeiro maior, pois ao invés de reservas terá dívidas.
Veja, que no exemplo acima, claramente mostra-se importante considerar os aspectos emocionais, além dos técnicos. Eu mesmo, não faz mais de 3 meses, decidi trocar de carro, desembolsando R$15 mil de meu suado dinheirinho. A escolha foi tomada depois de pesar a dor de cabeça que o carro antigo estava me causando e a falta que esse dinheiro faria em minhas finanças (percentualmente, o impacto não foi tão grande). Veja que tecnicamente, levei em consideração minhas finanças (a parte matemática) e o aspecto emocional. Depois de pesado ambos os fatores, decidi o que considerei melhor!
Dessa forma, é impossível que eu julgue a melhor alternativa para o leitor, pois cada um sabe onde mais aperta o próprio calo. Portanto, o principal conselho que ofereço é que a análise de decisão seja feita de maneira a levar em consideração as possíveis consequências das alternativas que possui em mãos (financiar, ficar na casa “ruim” ou procurar outra melhor para alugar). Depois de decidido, a grande virtude será estar psicologicamente preparado caso se jogue o dado e o resultado se mostre desfavorável. Aí, é absorver o impacto e continuar tomando boas decisões. Na média, provavelmente ganhará o jogo. Essa é a vida e, talvez, a maior graça dela.
Abraços e boa sorte em sua vida e finanças pessoais.