Antes de iniciar a discussão sobre causalidade, gostaria, primeiramente, de apresentar a noção de correlação. Suponha que o número de mortes por afogamento nas praias brasileiras, medido mês a mês, aumente toda vez que o consumo de sorvetes sobe (sendo o contrário também verdadeiro, ou seja, que o número de mortes decresça todos os meses em que se verifica uma diminuição no consumo de sorvetes). O que podemos inferir é que existe uma correlação positiva, pois ambas as variáveis possuem mesmo comportamento ao longo do ano.
Todavia, seria razoável aceitar a seguinte afirmação: “o consumo de sorvetes faz com que aumente o número de afogamentos”? Creio que não, e muito menos que o aumento no número de afogamentos faça com que as pessoas comprem mais sorvete. O que se pode verificar, nesse exemplo, é que apesar de haver uma correlação, não existe relação de causalidade entre consumo de sorvetes e mortes por afogamento. Talvez fosse mais aceitável dizer que ambas as variáveis são influenciadas pelo clima. No verão, com o aumento do calor, consome-se mais sorvete e também aumenta o número de afogamentos, pois há um maior fluxo de pessoas se deslocando para o litoral.
Pois bem, aplicando esses conceitos para nossa vida cotidiana, muitas vezes observamos eventos correlacionados e inferimos que uma coisa causa outra, quando na verdade pode existir uma terceira variável causando ambas. Em outros casos apenas existe uma coincidência de eventos e nós, num “defeito” de interpretação, a interpretamos equivocadamente como uma relação de causalidade.
Para auxiliar na compreensão sobre esses vieses cognitivos, lembro-me de um corretor de ações amigo meu, dizendo ter chegado à conclusão que em determinado mês do ano, implacavelmente, o índice Bovespa caía. E ia além, também possuía uma estatística mental que próximo às quatro horas da tarde, as ações da Petrobrás frequentemente subiam. Isso implica que algumas coincidências verificadas em sua pequena amostra de observações, fez com que encontrasse relações de causalidade que, na verdade, não existiam.
Outro problema que se adequa muito bem à discussão deste texto se refere à afirmação: “ganho pouco, por isso estou endividado”. Muitas vezes, essa relação de causalidade não é tão verdadeira. O que, na verdade, acontece, é que o cérebro tende a buscar significado em padrões, mas muitas vezes não faz a associação correta. Para exemplificar, suponha que certo trabalhador, na hora do almoço, conversa com seus amigos de labuta e percebe que a maioria se encontra endividada. Sem qualquer má intenção, a pessoa é levada a crer que, se os problemas financeiros afetam a quase todos, isso significa que o salário é baixo. Não lhe passa pela cabeça que existe a possibilidade de a causa desse problema ser que grande parte de sua amostra possui maus hábitos de consumo, não respeitando a simples regrinha de se gastar menos do que ganha. Para confirmar ou não a relação de causalidade, uma saída seria aumentar o salário desses funcionários para ver se continuariam endividados. Se sim, já descartaríamos a lógica deste trabalhador de que “ganha pouco e isso seria a causa de seu endividamento”.
O que estou querendo demonstrar é que, muitas vezes, achamos relações de causalidade em eventos que julgamos ser (ou que, talvez, até sejam) correlacionados. Esse tipo de erro, em geral, é insignificante para o dia a dia (ex: quando dói meu joelho, sei que vai chover), mas às vezes pode ser bastante prejudicial às finanças pessoais (acaba direcionando como investir seu dinheiro em ações ou mascarando a necessidade de mudança de hábitos). Proceder com uma correta análise dos fatores que envolvem nossas decisões financeiras, portanto, passa por compreender de maneira correta como tais variáveis se relacionam e, assim, fazermos um julgamento correto sobre relações de causalidade, melhorando nossa capacidade de decidir.
Boa sorte em suas finanças e vida pessoal!